Ainda descomprimindo...
Engraçado como, em certas ocasiões, muito do que a gente tem vontade de fazer finalmente rompe algumas desculpas e encontra os seus próprios meios para acontecer. Basta parar finalmente para que essas pequenas vontades voltem à tona com toda a força. E uma das coisas mais estranhas que meu deu vontade de fazer esses dias foi ir pra cozinha experimentar alguns procedimentos fisico-químicos (sim, porque cozinhar é fundamentalmente isso e algo mais)... Dar vazão a um impulso que aparece do nada e que, pela ausência de qualquer impedimento, é capaz de ser fiel a si mesmo.
Desde que eu voltei de Portugal, eu ainda não tive a oportunidade de experimentar as receitas de doces do livro que a Ana me deu na minha despedida. Aliás, muita dessa vontade tinha a ver com dois desafios: o meu, claro, pela minha falta de habilidade, e outro pela própria piada que tinha em ver ficar prontos todos esses doces conventuais que fundamentalmente são açúcar com ovo... Ou melhor, o abundante açúcar brasileiro com a gema descartada pela clara que serviu para engomar os hábitos dos conventos... O doce expoente dessa teoria são as Fatias de Tomar: hábeis 24 gemas e duas claras batidas por 20 minutos (batia-se por 1 hora na mão... Viva a modernidade!), cozidas em banho-maria por 1 hora e regadas por uma calda de 1 litro de água e 1 quilo de açúcar. Nham!... Colesterol na veia e muito tempo livre num convento tão carregado culturalmente.
As fotos tentam transmitir o teor da aventura... Sim, porque adaptar um forma que deveria ser no formato de pão a um formato de bolo (a única que havia em casa), tentar a "construção" de um banho-maria com a maior panela da casa, "reconstruir" o sistema vinte minutos depois pela estranha inundação no fogão, abrir a tampa para perceber o bizarro bolo de gema que grudou em todo o lado e desenformar o bolo já disforme pela metade que não grudou foi definitivamente uma maneira de perceber que a simplicidade de materiais não significa a simplicidade da técnica.
Mas para uma primeira vez, acho que passei no teste. O gosto estava idêntico ao esperado - mas afinal, o que mais esperar de ovo com açúcar? Ainda que a forma quadrada das Fatias originais tenha sido substituída pela trapezoidal desmilingüenta o resultado após a rega com a calda de açúcar ficou ótimo e idêntico na textura. Com a prática vem a perfeição, e ter conseguido ao menos chegar perto dessa simples sabedoria, já valeu a pena.
Holocausto galináceo.O sofrimento da cafeteira.A primeira "adaptação": o primeiro banho-maria.A segunda "adaptação": o segundo banho-maria.A terceira "adaptação": a forma inapropriada.O estranho bolo de gema e sua desenformagem a mal feita.Fazendo a calda, ou melhor, dissovendo a cana inteira na panela."Fritando".Tcharam... "Com o pé nas costas..."