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9.11.05
  A-mostra
Encontro com Manoel de Oliveira no domingo, dia 22.10.2005.

Acabou. Apesar de algumas programações "extra", não vou mais. Achei custoso, mas bastante engraçado acompanhar as duas semanas em que transcorreu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Primeira vez que fiz isso, de verdade. Sempre comentei com os amigos as dificuldades de um morador do ABC em acompanhar o "Circuito Cultural dos Jardins". Aqui, e como em muito lugares, os cinemas são do tipo blockbuster-de-supermercado (uma alusão ao Supermercado Extra Anchieta, com 9 cinemas). Filme do Manoel de Oliveira - ou qualquer outra "novidade" sub-cultural - só em imaginação ou mesmo virando rato de cinemateca, infelizmente. E nesses ambientes, a gente ainda tem que abstrair - ou ironizar - algumas coisas, pessoas e atitudes...

O natural de um "cinéfilo" (do pseudo-latim, aquele que se alimenta de cinema) seria comentar os filmes, os diretores, a fotografia, etc, etc. Mas eu não sou nada disso. Vou comentar as sessões, cada qual extremamente peculiar, escolhidas a dedo pela minha conveniência e de posse do guia da Mostra na mão. Para além dos filmes, nessas cinco sessões, descobri um modesto exercício de observação do consumidor cultural paulista, e, até de mim mesmo.

1.
sessão 189
, domingo, 23.10, 16:10, Cine Bombril (Conjunto Nacional)
Espelho Mágico (Manoel de Oliveira). POR, 2005. 137 min, cor, 35mm.

Sessão de estréia do mais recente filme do Manoel de Oliveira, seguida de um encontro com o diretor. Em suma, aquele blábláblá idolatrante de sempre do Lima Duarte e do Leon Cakoff que, mesmo tendo segurado o tempo todo o microfone pra ficar mais perto da boca do Manoel de Oliveira, ainda assim o diretor era interrompido pela platéia de jornalistas igualmente idolantrantes com aquele "Mais alto!" dos que estavam no fundo. Fui com a Tati, numa oportunidade perfeita para revê-la.

"O Afoito é aquele que sabe a programação antes de todos, não se importa em pagar R$200 por um combo de 40 sessões e é sempre o primeiro da fila nas sessões mais concorridas, principalmente naquele filme do Azerbaijão difícil de pronunciar."

Eu estava com aquela vontade de ver um monte de coisas. Antes dessa sessão ia tentar ver Aniki Bobó na Cinemateca, mas quando cheguei lá, percebi que a sessão era mais tarde, às 15:00. Tentei culpar a internet pelo erro, mas eu é que havia me enganado mesmo. Desencanei. Como havia combinado com a Tati no Conjunto Nacional mais tarde (era 12:30), fui virar turista na Paulista, coisa que eu não fazia há muito tempo - aliás, até tirei uma foto pra uma senhora. Acho que antes eu ia odiar passear sozinho, mas já me acostumei e até gosto dessa curiosa solidão anônima. Comprei o guia da Mostra por R$1, olhei as bancas, sondei a bilheteria, almocei no Subito e fui ver rapidamente as crianças posando pras fotos junto com as vacas do "Cow Parade". São Paulo no seu turismo mais clássico.

2.
sessão 570
, sexta-feira, 28.10, 19:30, FAAP
O Inferno (Danis Tanovic). FRA/ITA/BEL/JAP, 2005. 95 min, cor, 35 mm.

Sessão gratuita na FAAP, antecedida por um encontro com o diretor bósnio Danis Tanovic - o mesmo de Terra de Ninguém -, em que Leon Cakoff prova seu fetiche por microfones, tentando arrumá-lo compulsivamente para a platéia ouvir melhor. Fui com a Tati novamente.

"O Estudante é aquele que aproveita todas as sessões gratuitas e não vive sem sua meia entrada. Sempre vai reclamar quando alguma coisa dá errada, mas sempre vai perder a razão quando não faz nada para consertá-la."

A sessão no curioso zoológico da FAAP parecia mais uma aula do curso de cinema em que os alunos meio que foram obrigados a ir e que outros de outros cursos estavam ali só pra matar algumas aulas. Do filme, nada a reclamar: excelente. O público, no entanto, deixou um pouco a desejar. Houve um momento, que depois percebi ser crucial, em que falharam as legendas eletrônicas do francês para o português. Mesmo sendo uma cena narrada, ou seja, sem a facilidade da leitura labial, até que consegui entender bastante coisa. Pelo menos a princípio... A platéia ficou impaciente. "Olha a legenda!", "A legenda, pô!" foram alguns exemplos dos gritos que se seguiram por mais de 1 minuto de narração intensa sobre o mito da Medéia. Quando consertaram tudo, achei que iam se acalmar, mas alguém berrou: "Agora volta o filme!"... Fiquei irritado. Peraí. "Isso não é a sua casa e você não alugou esse filme na Blockbuster", pensei. Alguém próximo pensou mais alto e disse: "Que vergonha! O diretor tá aí".

O cúmulo não aconteceu. O filme seguiu sem interrupções mas a legenda eletrônica continuou falhando algumas vezes, rapidamente. Eu, que estudei francês, continuei entendendo tudo e não precisei reclamar de nada... Só da educação (ou a falta dela) do público.

3.
sessão 597,
sábado, 29.10, 21:10, Sala Cinemateca
Porto da Minha Infância (Manoel de Oliveira). POR/FRA, 2001. 62 min, cor, 35mm.
Douro Faina Fluvial (Manoel de Oliveira). POR, 1931. 18 min, p&b, 35mm.

Sessão nostalgia na Cinemateca: dois filmes sobre o Porto.

"O Amigo do Cinéfilo é aquele que é diversas vezes convidado para os eventos do amigo, mas poucas vezes vai. Quando vai, provavelmente é pra ir a um bar depois tomar alguma coisa... Adora um filme do Stallone na Tela Quente, mas é boa pessoa."

Sábado à noite. Convidei algumas pessoas, mas ninguém mandou resposta e lá fui eu sozinho. Foi até bom porque eu mesmo ia ficar muito chato comentando os lugares que apareceram na tela. Além das sequências de Porto da Minha Infância com o bordão "Hoje é isto" com que Manoel de Oliveira contrapõe imagens antigas da cidade eu provavelmente ia comentar qualquer coisa sobre "as éclaires da confeitaria que apareceu ali no canto da tela...".

Entrei e fui pra bem longe da porta. Deu alguns minutos e tudo começou a se encher na pequena sala da Cinemateca. E não é que, praticamente ao mesmo tempo sentaram dois grupos de mais ou menos umas 5, 6 pessoas ao meu lado. À direita, um rapaz conversando com uma moça e que faziam parte de um grupo maior. Quando o filme começou, ela ficou aliaviadíssima em ver que a cópia tinha legendas em inglês. Falavam qualquer coisa sobre a cidade de São Paulo. Papo típico de brasileiro dando em cima de loirinha-bonitinha-estrangeira... À esquerda um rapaz todo empolgado com a sessão, acompanhado de vários amigos, todos em torno de uns 30, 40 anos. Ele não parava de perguntar sobre o filme para um baixinho, meio careca e de óculos de bordas grossas... Mesmo tentando ignorar, ficava meio difícil, porque a cena era cômica. Enquanto eu dava risada e ficava impressionado em algumas partes que pra mim tinham um significado diferente, era curioso ver os comentários do "amigo" ao "cinéfilo" nos momentos mais bizarros, principalmente no pequeno roteiro em torno do Douro Fauna Fluvial. "Ué! Não entendi."; "É só isso? Já acabou? Pô... Até que tava gostando".

4.
sessão 857
, terça-feira, 01.11, 19:40, Cine Morumbi Shopping
Viagem ao Princípio do Mundo (Manoel de Oliveira). POR/FRA, 1997. 95 min, cor, 35mm.

Sessão com o último filme do Marcello Mastroiani. Ele faz o alter-ego do Manoel de Oliveira que acompanha um amigo ator de cinema francês. De pais portugueses, eles voltam ao interior de Portugal para encontrar seus parentes que o rejeitam. Filme-denúncia do êxodo rural português e do envelhecimento e abandono da população do interior e das suas atividades tradicionais. Mas, sobretudo pessoal, simples e bonito.

"O Fã é aquele que só vai a sessões específicas, normalmente sozinho, com seu artista preferido, mas faz qualquer coisa pra ir vê-las. Odeia filas e Afoitos. Tem a tendência, no entanto, de perder o espírito crítico com o excesso de seu fanatismo."

Dia agitado. CPC na Bela Vista às 7:00 da manhã pra escapar do rodízio, almoço e trabalho com a Thábata na FAU à tarde e sessão no Shopping Morumbi às 19:40. Quem me recomendou o filme foi a Tati, quando ela apareceu no MSN um dia perguntando "o que é um patego?" por tê-lo visto naquele dia. Não foi nenhum problema ir sozinho novamente. No entanto, o inevitável: trânsito. Cheguei às 19:35. Estacionei logo, corri pra bilheteria no meio do shopping. "Desculpa... Não aceitamos Visa, só Mastercard e Rede Shop", disse a burocrática da vendedora. E eu sem nenhum trocado. Corri pro caixa eletrônico do Banco do Brasil: "desculpe, em manutenção"... Pago R$1 de taxa pelo saque no sistema do Bancho 24Horas, que funcionava. 19:39, Volto correndo para a bilheteria, no meio do shopping, com todo mundo me estranhando. Entrei. Vazia. Com alguns gatos pingados e com o rolo ainda por chegar. (Dãã!)

Depois de escolher um lugar, relaxar após o estresse daqueles 40 minutos e esperar o rolo ser montado pelos técnicos, comecei a reparar no público. Sabe cinema pornô em que cada um fica no seu canto? Pois é. Parecia. Hahaha. Tinha até gente bem à vontade, sem sapato, esticados em 2 poltronas... Logo percebi que essa era uma daquelas sessões seletas e que com certeza aquele filme já deveria ter passado algumas vezes pelos olhos das pessoas que lá estavam. Tirei o sapato também e curti.

5.
sessão 885
, quarta-feira, 02.11, 16:50, Sala Cinemateca
Famalicão (Manoel de Oliveira). POR, 1940. 24 min, p&b, 35mm.
A Caça (Manoel de Oliveira). POR, 1963. 21 min, cor, 35mm.
O Pintor e a Cidade (Manoel de Oliveira). POR, 1956. 24 min, cor, 35mm.
As Pinturas Do Meu Irmão Júlio (Manoel de Oliveira). POR, 1959-65. 16 min, cor, 35mm.

Sessão de curtas com muitas das caras da sessão de sábado também ali na Cinemateca. Filmes difíceis de ver por aí. Famalicão revela todo o humor do diretor num vídeo "turístico" para a cidade. A Caça já é mais bizarro e perturbante, principalmente em algumas cenas iniciais dentro de um matadouro. Já O Pintor e a Cidade e As Pinturas Do Meu Irmão Júlio o aproximam das artes plásticas. O primeiro é bem interessante, ao mostrar a cidade do Porto desenhada em aquarela, deixando para o fim o famoso panorama. O segundo era muito chato: tratava-se de muitas imagens de diversas obras, sem nunca mostrá-las por completo. Talvez ele quisesse destacar outras coisas que fugissem do padrão "quadro-legenda" que anda em moda nos museus... Não sei. Mas muita gente saiu da sessão mais cedo.

"O Leitor da 'Vejinha' é aquele que não tem vontade própria. Seu gosto é pautado pelas informações da coluna Terraço Paulistano. Assina a revista Veja, paga muito caro por isso, mas quase sempre a revista vai do plástico direto para o lixo."

A sessão era à tarde num feriado, portanto, havia tempo o suficiente pra evitar estresses. Fui à Cinemateca com um bom tempo de antecedência pra curtir o edifício, ver as máquinas com aquelas rodas que, quando giradas e observadas pelos buraquinhos, o filme aparecia. Fui ali atrás pra ver a textura dos pavimentos do Matadouro (ah... A Cinemateca é o edifício recuperado do Antigo Matadouro Municipal) e observar as obras aparentemente paradas do terceiro galpão a ser recuperado. Tudo de longe, claro.

É, no entanto, próximo do horário da sessão, que aparece uma mulher falando alto com o vendedor dos bilhetes. "Oi. Não tá cheio, não, né?"; "Se eu quiser ver a outra sessão, mas ainda estiver nessa, será que vai ter bilhete ainda?"; "Que edifício lindo... Ma-ra-vi-lho-so. É antigo é?"... Quando ela fez essa última pergunta, ficou claro pra mim. A confirmação veio logo. Perto do café, depois de comprados os ingressos, ela saca o celular: "Amiga! Vem pra cá... Não tá cheio não. E, olha, é num lugar lin-do-o e super fácil de chegar...". Pensei que se o Paulo estivesse ali ele diria: "Ai, ai, ai"... 
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